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Ilustração: Janaina Baldacci |
Era
um homem velho na estação a espera do trem. Não tinha idéia para onde estava
indo, só sabia que iria.
Enquanto o trem não contornava, as folhas da árvore
ondulavam conforme o vento e caiam ao chão. Era dia, mas a estação continuava estava
vazia, como numa manhã de feriado.
Os
fios brancos rareavam na cabeça do velho, o seu rosto era pálido e enrugado, “Rugas
de sorrisos” pensava ele.
Numa
das mãos segurava uma maleta de couro gasto, onde guardava suas ruínas. Olhos
opacos e acinzentados mantinham-se firmes na direção em que viria o trem.
Num
instante, olhou para o relógio preso ao pulso esquerdo. O pulso palpitava no
compasso dos ponteiros dos segundos. Percebeu que já havia passado muito tempo
naquele lugar, porém, não estava mais ansioso com a demora. Era certo o que
trem viria, mais cedo ou mais tarde.
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Ilustração: Carol London |
Sentindo
o peso dos anos sobre as costas, o velho resolveu se sentar. Havia um banco
vacilante, de madeira corroída por cupins, na plataforma. Foi onde o velho se
apoiou e descansou as pernas. Seus ossos emitiram estalidos e ele involuntariamente
grunhiu.
Já
não era o mesmo, não era o jovem forte e heróico que fora na época de combate.
Pensando melhor, talvez nunca fora tão heroico assim...
Lançando,
agora, os olhos a sua esquerda e mais adiante, revira o túnel escuro que tanto
lhe intrigava. Imaginava o que poderia haver depois do breu.
“Quem
sabe um lugar melhor pra se morar, onde houvesse mais cores e o
sol sorrisse mais vezes...” pensou e até pegou-se num sutil sorriso. “Um lugar
de paz... um lugar que se sonha ainda em vida.”
E
isso era o que ele queria acreditar, mas não se achava digno para desfrutar
desta idealização, bom, melhor manter as esperanças.
O
velho abriu a maleta. Havia um broche de honra ao mérito, que usara preso ao uniforme
quando fora soldado. De repente o velho sentiu sua consciência latejar.
A
guerra era o pior dos seus devaneios. Nunca vira tanto medo e sofrimento e tudo
para defender uma ideologia sem sentido.
E
o velho se entristecera ao relembrar o mal que fizera aos homens que um dia ele
considerou inimigos, mas que na verdade eles eram tão inocentes e tão culpados
quanto ele próprio...
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Foto: Tatiana Bicalho |
O
velho voltou a vasculhar a maleta a procura de uma lembrança boa, e só
encontrou o que procurava no bolso da calça. Seu coração deu um salto quando
tocou no metal de um anel, pois não era qualquer anel, e sim o que tinha a
gravura do nome de sua amada.
Beatriz.
Ele
a conheceu numa primavera e desfrutou de um longo e intenso verão ao lado dela.
Mas logo chegara o outono e em seguida um rigoroso inverno e Beatriz teve de
embarcar no trem. A esta altura, ela já deveria saber o que há além do túnel...
Sentindo-se
comovido pela saudade o velho chorou o resto das lagrimas que ainda lhe
sobravam. Sua respiração tornou-se difícil e então um vento frio cortante veio
lhe agredir e ele se encolheu. Sentia dor, uma sensação aguda que parecia lhe
rasgar a pele e lhe esfriar o sangue.
Então,
o trem veio se aproximando.
Um
estranho desespero invadiu o velho. Por um momento pensou em desistir de
embarcar, mas sabia que não poderia. À medida que o trem se aproximava, o mal
estar se intensificava, até que de repente, como num baque, tudo passou.
A
ultima folha seca da arvore, o vento derrubou e o trem parou na estação,
abrindo as portas para o velho embarcar.
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Ilustração: Janaina Baldacci |
Quando
o trem chega, não resta nada a fazer a não ser aceitar...
E
o velho sentiu persuadir-se pelo trem, ao imaginar a viagem que estava preste a
fazer... Porém, hesitante, ele se levantou, deixando sua maleta e o anel sobre
o banquinho.
Estranhamente
sentia-se bem, sentia-se mais leve. Havia um cheiro gostoso no ar, como o de
uma fruta que ele desconhecia. Ao mesmo tempo, era um cheiro de nostalgia.
E
então, o velho caminhou até o vagão, despindo-se de todas as antigas memorias,
permitindo a mente esvaziar.
Não
olhou para trás nenhum segundo. Então ouviu o sinal, e as portas iriam se
fechar.
Finalmente
o velho adentrou o trem e então se entregou ao que seria o começo de uma nova e
grande viagem.