quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Embarque


Ilustração: Janaina Baldacci
Era um homem velho na estação a espera do trem. Não tinha idéia para onde estava indo, só sabia que iria.
 Enquanto o trem não contornava, as folhas da árvore ondulavam conforme o vento e caiam ao chão. Era dia, mas a estação continuava estava vazia, como numa manhã de feriado.
Os fios brancos rareavam na cabeça do velho, o seu rosto era pálido e enrugado, “Rugas de sorrisos” pensava ele.
Numa das mãos segurava uma maleta de couro gasto, onde guardava suas ruínas. Olhos opacos e acinzentados mantinham-se firmes na direção em que viria o trem.
Num instante, olhou para o relógio preso ao pulso esquerdo. O pulso palpitava no compasso dos ponteiros dos segundos. Percebeu que já havia passado muito tempo naquele lugar, porém, não estava mais ansioso com a demora. Era certo o que trem viria, mais cedo ou mais tarde.
Ilustração: Carol London
Sentindo o peso dos anos sobre as costas, o velho resolveu se sentar. Havia um banco vacilante, de madeira corroída por cupins, na plataforma. Foi onde o velho se apoiou e descansou as pernas. Seus ossos emitiram estalidos e ele involuntariamente grunhiu.
Já não era o mesmo, não era o jovem forte e heróico que fora na época de combate. Pensando melhor, talvez nunca fora tão heroico assim...
Lançando, agora, os olhos a sua esquerda e mais adiante, revira o túnel escuro que tanto lhe intrigava. Imaginava o que poderia haver depois do breu.
“Quem sabe um lugar melhor pra se morar, onde houvesse mais cores e o sol sorrisse mais vezes...” pensou e até pegou-se num sutil sorriso. “Um lugar de paz... um lugar que se sonha ainda em vida.”
E isso era o que ele queria acreditar, mas não se achava digno para desfrutar desta idealização, bom, melhor manter as esperanças.
O velho abriu a maleta. Havia um broche de honra ao mérito, que usara preso ao uniforme quando fora soldado. De repente o velho sentiu sua consciência latejar.
A guerra era o pior dos seus devaneios. Nunca vira tanto medo e sofrimento e tudo para defender uma ideologia sem sentido.
E o velho se entristecera ao relembrar o mal que fizera aos homens que um dia ele considerou inimigos, mas que na verdade eles eram tão inocentes e tão culpados quanto ele próprio...
Foto: Tatiana Bicalho
O velho voltou a vasculhar a maleta a procura de uma lembrança boa, e só encontrou o que procurava no bolso da calça. Seu coração deu um salto quando tocou no metal de um anel, pois não era qualquer anel, e sim o que tinha a gravura do nome de sua amada.
Beatriz.
Ele a conheceu numa primavera e desfrutou de um longo e intenso verão ao lado dela. Mas logo chegara o outono e em seguida um rigoroso inverno e Beatriz teve de embarcar no trem. A esta altura, ela já deveria saber o que há além do túnel...
Sentindo-se comovido pela saudade o velho chorou o resto das lagrimas que ainda lhe sobravam. Sua respiração tornou-se difícil e então um vento frio cortante veio lhe agredir e ele se encolheu. Sentia dor, uma sensação aguda que parecia lhe rasgar a pele e lhe esfriar o sangue.
Então, o trem veio se aproximando.
Um estranho desespero invadiu o velho. Por um momento pensou em desistir de embarcar, mas sabia que não poderia. À medida que o trem se aproximava, o mal estar se intensificava, até que de repente, como num baque, tudo passou.
A ultima folha seca da arvore, o vento derrubou e o trem parou na estação, abrindo as portas para o velho embarcar.
Ilustração: Janaina Baldacci
Quando o trem chega, não resta nada a fazer a não ser aceitar...
E o velho sentiu persuadir-se pelo trem, ao imaginar a viagem que estava preste a fazer... Porém, hesitante, ele se levantou, deixando sua maleta e o anel sobre o banquinho.
Estranhamente sentia-se bem, sentia-se mais leve. Havia um cheiro gostoso no ar, como o de uma fruta que ele desconhecia. Ao mesmo tempo, era um cheiro de nostalgia.
E então, o velho caminhou até o vagão, despindo-se de todas as antigas memorias, permitindo a mente esvaziar.
Não olhou para trás nenhum segundo. Então ouviu o sinal, e as portas iriam se fechar.
Finalmente o velho adentrou o trem e então se entregou ao que seria o começo de uma nova e grande viagem.

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